terça-feira, 25 de outubro de 2011

Nós os vagotônicos - Vinicius de Moraes

“Nós, os vagotônicos, de quando em vez precisamos de férias, porque senão se nos evapora a substância. Que os leitores me perdoem, a mim e a meu vago simpático, por essa deserção provisória, preenchida, de resto, com grande linha por Jorge Vargas. Já estou de novo bem, obrigado. De volta a este retângulo, eu quero em primeiro lugar agradecer (não tenham medo que não vem discurso…) a todos os vagotônicos pela assistência moral, bons conselhos e receitas que me deram – especialmente a minha amiga Araci de Almeida, rainha dos vago-simpáticos, e o meu amigo Fernando Lobo que fez um samba lindíssimo sobre Noel, e que tem teorias próprias sobre a disfunção, as quais põe em prática com o maior gosto e proveito.

Aliás, por falar em vagotonia, eu descobri no decorrer dessa minha última crise que nós, os vagotônicos, formamos uma impressionante maçonaria. A solidariedade entre os membros da seita é admirável. Estive, nessa ultima semana, com vários grupos, e ao anunciar-lhes eu que me achava no “auge da vagotonia” (pois todo vagotônico que se preza não só tem o maior orgulho de sê-lo e demonstrá-lo, como sempre exagera ao Maximo o seu estado), ganhava imediatamente a simpatia dos correligionários presentes, terminando por formarmos um bloco coeso contra os pobres mortais que têm o vago-simpático perfeito.

- Como é, querida? Como vai essa vagotonia?- Ah, meu filho, já nem sei mais… E você?- No fundo do poço.- Quer dizer que você não esta aqui hoje?

- Ah, eu nem sei mais onde é que estou…

E assim por diante, tudo entrecortado por longos silêncios, durante os quais a pessoas cai do alto de arranha-céus bem devagarinho, é enterrada viva, despenca de elevador, some terra adentro por um buraco súbito que se vagotoniza, pois todo vagotônico sobe como um foguete, até as regiões siderais, se perde nas catacumbas de Roma, se afoga na banheira, porque uma paralisia repentina não permite que se feche a torneira, sobe e desce degraus inexistentes, fica quente, fica frio, fica quente de novo, se ruboriza, empalidece, cai numa delinqüência, ouve o coração bater na ponta do dedão do pé, sua nas mãos, tem a boca seca – enfim, a felicidade completa.

Não me queiram mal por essa digressão. O fenômeno é importante, pois ele pode influir na crônica, e eu a quero isenta. Aliás, essa semana cabe falar de vagotonia, pois vai entrar em cartaz essa grande vagotônica que é Bette Davis – e isso, meus amigos, vai ser uma delicia. Vai ser uma verdadeira delicia.”

Vinícius de Moraes

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